Quinta-feira, 20 de Novembro de 2008

...

 

Miguel apaixonou-se tão rapidamente por José que nem chegou a sentir estranho, um tal sentimento que nunca sentira antes daí.
 
Era anormal e escondia-se. Ridículo e infantil. Sujeitava-se a convida-lo para serões de conversas estúpidas, viagens sem rotas fixas, ou até um ou outro café desinteressante e impessoal. Mas era assim que o amava.
Era assim a única maneira que conhecia de idolatrar aquele alguém que se sentia seu amigo. Nada mais.
E aproveitava todos os momentos banais, em que, no grupo, se encontravam os dois mais próximos, tocando-lhe na mão enquanto conversavam, ou sentindo-lhe o odor, quando passava por ele, numa qualquer brincadeira, mas sem nunca se declarar num toque mais quente e forte ou mesmo num respirar mais profundo e demorado. Mantinha a sua distância, assim como José continuava com a sua, de amigo.
 
Nem nunca mais Miguel se interessou pelas mãos das mulheres que o seguiam, ou desejavam, nem pelas paixões absurdas que dia sim, dia não, sentia embater violentamente no seu coração, quando passava por alguém que reluzia naquele dia. Desistiu dos seus encontros esporádicos apenas com intuitos sexuais, ou dos seus cafés de conversa fiada, violentas críticas e ataques constantes de riso.
Deixou-se esventrar completamente por aquela obsessão, que perdeu o sorriso e a inteligência, a perícia e a sua capacidade de integração.
Ficava no grupo apenas por José, visto que mais ninguém lhe chamava a mínima atenção para, nem que fosse, conversar. Mantinha-se apático e quieto, dentro de si, vislumbrando sempre, de olhos vidrados de amor, o seu ideal, que continuava igual a si mesmo, sem sequer se aperceber que se tornava todo o mundo de Miguel.
 
E a sua vida destruiu-se bem à sua frente, sem que ele reparasse. Foi levado pelo furacão dos sentimentos proibidos e silenciosos que quando deu por si estava moribundo e apenas com a imagem de José ainda colada à sua memória visual, tão forte, que se apercebeu cego, só e deprimido.
Finalmente, e num dia que se esperava escuro e triste como todos os outros, acordou reparando que Perdera toda a capacidade de raciocínio e foi aí, quando a loucura lhe invadiu os actos, que se aproximou do mais alto e soante espaço e proclamou loucamente todo o seu amor por José. Gritou tudo, até que a voz lhe faltou, até que o peito começou a arder e as pernas a falharem. E chorou.
 
E enquanto as lágrimas lhe lavavam a vista, a imagem de José esbatia-se lentamente em formas desconhecidas, em cores imperceptíveis, em tons deslavados, até que desapareceu completamente, num súbito abrir de olhos, e redescobrir a vida como outrora conhecera.
 
Miguel lavou-se e vestiu-se. Saiu ao mundo e procurou todos aqueles que tinha deixado. Contou-lhes a sua história, e aguentou os comentários falsos, sarcásticos, alegres ou até os de completo desinteresse. Não pediu nem perdão, nem que o aceitassem de volta, nem que tivessem um pingo de pena por ele. Nada. Apenas se sentiu obrigado a explicar a sua auto-exclusão. O resto não lhe interessava a mínima, não o incomodava nem simplesmente o atingia.
 
E depois de tudo corrido, de todas as desculpas pedidas, de todos os constrangimentos passados, dirigiu-se a casa de José. Bateu à porta, suspirou e esperou. E a porta abriu-se, e os olhos vidraram-se em falta de coragem, e a voz atrapalhou-se em vergonha, e os olhos desviaram-se em desonra, e José pegou-lhe a mão, e sorriu tocando-lhe a cara e puxou-o suavemente para dentro da sua casa, do seu quarto, do seu coração.
música: The Ting Tings - Be The One

publicado por JoãoSousa às 20:49
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1 comentário:
De Emanuela a 23 de Novembro de 2008 às 02:43
Se já é difícil entender e aceitar a nós mesmos, imagina os outros. Vem daí a imensa necessidade de respeito: saber que cada ser é único e que muitas vezes nem ele tem o conhecimento do que o pode fazer feliz...
Belo texto!
Beijinhos e bom domingo!


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