Não me vou mentir, convencendo-me que isto já não envolve a minha mente em ansiosas saudades e tortuosas lembranças.
Mas há que lembrar.
Por ti, perdi-me da escrita e vi-me em viagens. Em fantasias e sonhos que sempre quis realizar.
Contigo, passei a tarde sentado no templo de Zeus a fumar e a conversar.
Sem ti, fazem-me tremer estas lembranças, porque as quero, mas porque doem e porque as sinto em falta e porque nunca mais as terei.
Tenho de voltar a ter-te.
Não posso acreditar que me deixei lá atras. que me perdi a mim mesmo. que me abandonei de vez. que me atraiçoei. que me desiludi. que me deixei cair. que me dilacerei. que me cedi a morrer. esvaído em sangue. a entorpecer. sem força. sem cor. pálido. lânguido. morto.
Tenho de voltar a ter-te.
Perdi-me Deus!
E perdi-me sem jeito de me reencontrar outra vez. é normal que a saudade de quem eramos, nos pode arrebatar o coraçao como se nos violentassem aos pontapés, bem fortes e pesados até fazerem sangue?
É normal que de tudo, que no passado, se previa em sonhos para o meu futuro, agora no presente, que outrora senti futuro, se venha tudo a desmoronar em fantasias.
Não estou bem. Não estou feliz. Não estou completo. Porra! Que de tanto procurar, fiquei enebriado com todas as descobertas que deixei de ver os meus objectivos. Até que os perdi. Perdi-os a todos, e agora na cabeça so ficam destroços de sonhos que um dia embatem contra os olhos e me fazem ficar nauseado por não ter conseguido.
Eu não consegui. E pior. Não consigo. Não consigo erguer-me e seguir a fundo. Pegar nos destroços e cola-los e formar um futuro, conforme o que queria, o que quero e o que quererei para mim.
Não tenho forças. Não tenho vontade nem coragem para me levantar outra vez. As nódoas negras na cara e no coração apertam-me a ansia de viver. Vou-me deixar estar no chão.
Quieto.
Incerto da vida ou da morte ou do chão frio em que repouso. Preciso de descansar. E descansar é fugir. É deixar a cabeça fugir. É deixa-la viajar para longe, para onde ninguém esteja acima dela, nem a encrave, nem a prenda, nem a maltrate. O corpo que durma, que se deixe estendido no chão, que morra.
Às vezes encravamo-nos ao tentar ajudar.
Às vezes mutilamo-nos ao tentar ajudarmo-nos.
Às vezes corre tudo mal, quando fazes tudo para o melhor.
Às vezes…
Às vezes atiramos pedras e elas fazem ricochete. E acertam-nos em cheio.
Às vezes esfaqueamos costas e nem reparamos que nos olhamos a espelhos.
Às vezes, descobrirmo-nos é matarmo-nos. Saber quem somos é desconhecermo-nos. Sentir algo é estar moribundo e inerte e sem força e cansado e baralhado e assustado.
Às vezes assustamo-nos sem culpa. Às vezes assustamo-nos com culpa. Às vezes assustamo-nos por termos nascido assustados. Às vezes.
Às vezes a vida devia ser fácil, mas dificulta-se, dificultamos, dificultam-nos.
Às vezes a vida é vida e às vezes é morte, e às vezes nem real é.
Não consigo sequer olhar para uma folha de papel em branco agora.
Incrível a ironia que ao querer encontrar-me, forcei-me a isso.
E que ao encontrar-me renunciei a muito de mim.
A muito de mim mesmo.
A tudo de mim.
(27 Setembro 1972 - 1 Janeiro 2010)
Repare-se que me perdi da escrita nos dias seguintes à explosão da paixão, que sucumbiu em mãos quentes e suadas sobre mim, no cubiculo de sempre, entre fumos e outros acessórios que despertam as mentes. E apercebi-me que escrever me deixa triste, ou a tristeza é que me faz escrever.
E então deixei-me levar, abandonando este destino, seguindo outros caminhos, aprendendo outras coisas senão escrever.
Mas agora, finda o ano, e cai-me de subito a consciência culpada de quem abandona algo que é seu, e o deixa a mercê dos agouros do mundo. Aquilo que se deixa para trás sem merecer, volta mais tarde para nos atribular o espirito e quando acordamos dos sonhos lindos de amores e loucuras, levamos um valente estalo de culpa e vergonha por aquilo que deixamos, e era nosso.
Apaixonei-me, enamorei-me, perdi-me por tantos acontecimentos novos que me desleixei completamente. Não devia ter parado de escrever, Nunca! Porque, ao contrario do que pensava o escrever lava-me a alma e leva-me a tristeza, cravando-a em folhas únicas e que se escondem em gavetas fundas. E para mim a escrita sempre foi uma forma de arte triste e melancólica, sem modos de gargalhadas e finais alegres.
Querendo ou não sou um poeta e então sou triste, escrevendo. Querendo ou não tornei-me um apaixonado e então sonho, sorrindo. Agora vou tomando consciencia, vou vendo o que posso remediar e quem sabe, os conseguir juntar numa arte simples e pura em que os sentimentos bamboleiam como a vida. Puros, Simples, Sentidos.